17 de jun. de 2010

Diário de bordo de um pequeno lugar

Acho que este é, literalmente, um diário de bordo, já que estou sobre as nuvens agora. Já passaram cinco das dez horas necessárias para cruzar o oceano. Em mais algumas horas estarei em casa novamente. O céu está esplêndido, bem ao meu lado. Tem um velho espanhol roncando também. “Me voy a Paraguay... por una paraguaya!”, ele me disse. Achei bonito pra quem já é sessenta: cruzar o oceano por amor.

Olhando pela janela por poucos minutos vi cinco estrelas cadentes. Nunca sei qual pedido fazer na hora, aí acabo pedindo zelo cósmico por pessoas essenciais na minha vida. Mas eu não sei se é bem assim que as estrelas cadentes funcionam, talvez exijam mais especificidade naquele segundo de explosão. Talvez naquele momento ela já não exista mais. Apenas a luz.

Dois dias na Europa já foram suficientes pra me encantar e entender um pedacinho deste outro lado do mundo. Granada é uma cidade incrível. É linda, com pessoas lindas, com construções belíssimas e, ainda assim, com um clima bucólico. Um lugar cosmopolita, mas por todos os lados você enxerga verde e montanhas como cenário. Montanhas com neve são realmente incríveis.

As pessoas de lá são engraçadas, porque vivem num mundo quase descartável. Em Granada não existem brechós ou qualquer loja de coisas usadas – apenas no caso de equipamentos mais caros. Ninguém precisa conservar nada, já que está tudo ali, disponível nas vitrines, relativamente barato. O horário deles é bem louco. Acordam tarde, pela manhã. Tipo pelas dez. Trabalham até as 13h, mais ou menos, e depois de almoçar e tirar a sesta. Voltam a trabalhar pelas quatro da tarde, até as nove ou dez.

Preciso aprender a não ter tanta vergonha de pedir às pessoas se posso fotografá-las. Queria ter fotografado tanta gente, de tantos lugares. Mas, algo me travou na hora de pedir. O legal de participar de um festival é que, certamente, você vai conhecer muitas pessoas, de muitos lugares. Principalmente, em um festival de cinema, que já é uma difusão cultural por si só. Conheci uma menina argentina, que agora mora e estuda em Paris, chamada Geraldine. Uma das pessoas que queria ter fotografado e perdi a chance. Tão bonita, com olhos grandes e uma timidez encantadora. Conheci gente da África do Sul, do Irã, da Palestina, de Londres, do México, da Escócia e de outros lugares da Espanha. Todos se comunicavam pelo inglês. Nesses momentos é que você começa a entender como funciona o mundo, de fato. As pessoas são muito parecidas e muito diferentes.

Me contaram que a crise na Europa está bem foda. A maioria dos governos chegou a cortar de 5% a 15% dos salários de servidores públicos. Nunca vi isso acontecer no Brasil. Me disse um morador de Granada, “o Brasil está na moda”.

Acabou de apitar o sinal de afivelar o cinto de segurança.”Estamos passando por uma área de instabilidade”, nos diz o comandante. Esse momento é péssimo, pois você nunca sabe se é um problema ou não. Os tripulantes são treinados para não deixar ninguém em pânico. O pânico deixaria tudo um pouco mais complicado, já que estamos todos impotentes dentro desta grande engenhoca que é um avião, que está bastante turbulento. Estou com um pouco de medo. Agora não vejo mais tantas estrelas pela janela. E há um oceano abaixo de nós.

Os últimos dias me fizeram sentir um pouco mais parte do mundo. Conhecer lugares e pessoas novas é algo especial. Ver as coisas com seus próprios olhos. Mas, a distância também me faz ver o quanto as pessoas ao meu redor são especiais. Na falta, enxergamos o que a nossa essência necessita.

E como já diziam Nelo e Fran, “airplanes have no scales for hypochondriacs”.

2 de jun. de 2010