" Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar! "
A função da arte/1 - O livro dos abraços
"Cheguei a Bluefilds, no litoral da Nicarágua, no dia seguinte a um ataque dos contras. Havia muitos mortos e feridos. Eu estava no hospital quando um dos sobreviventes do tiroteio, um garoto, despertouda anestesia: despertou sem braços, olhou o médico e pediu:
- Me mate.
Fiquei com um nó no estômago.
Naquela noite, noite atroz, o ar fervia de calor. Eu me estendi num terraço, sozinho, olhando o céu. Não longe dali, a música soava forte. Apesar da guerra, apesar de tudo, a cidade de Bluefields estava celebrando a festa tradicional do Palo de Mayo. A multidão dançava, jubilosa, ao redor da árvore cerimonial. Mas eu, estendido no terraço, não queria escutar a música nem queria escutar nada, e estava tentando não sentir, não recordar, não pensar: em nada, em nada de nada. E estava naquilo, espantando sons e tristezas e mosquitos, com os olhos pregados na noite alta, quando um menino de Bluefields, que eu não conhecia, estendeu-se ao meu lado e começou a olhar o céu, como eu, em silêncio.
Então, passou uma estrela cadente. Eu podia ter pedido um desejo; mas não lembrei.
O menino me explicou:
- Você sabe por que as estrelas caem? A culpa é de Deus. Deus gruda elas mal. Ele gruda as estrelas com cola de arroz.
Amanheci dançando. "
O céu e o inferno - O livro dos abraços
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