Anotações sobre o ato de criar imagens.
- A imagem que não representa.
- A imagem que não exige compreensão.
- A imagem que é a realidade de si mesma.
[...]
Quando se olha, corre-se o risco de olhar apenas a superfície concreta, a dimensão, a relação espacial. Nada disso é realmente importante.
O olhar apenas desvia: busca o movimento, ignora o imóvel.
Ter paciência para observar o movimento dentre as coisas, o espaço entre as coisas – isso é tudo o que interessa a um fotógrafo.
[...]
Um fotógrafo trabalha entre intervalos de ordem e desordem.
Pode-se planejar tudo antes, desenhar na mente, e apenas executar.
Assim como pode-se estar aberto ao acaso, ao imponderável, ao inesperado.
O que há em comum, nesse caso, é uma espécie de lógica das formas, das cores, das dimensões: algo que palavra alguma representa. Se o ato de olhar não for para além da palavra, do cognitivo, daquilo que pode ser reconhecido, o fotógrafo ainda está preso em uma reduzida relação entre sujeito e objeto, observador e observado. O criador de imagens deve saber que ele e sua imagem sempre serão um só ente quando essa relação for verdadeira. A imagem nunca pode ser reflexo: ela deve ser realidade.
O ato de criar é na verdade o ato de encontrar, estabelecer relações.
Tudo o que se expressa é o que deveria ser expressado.
Tudo o que se compreende é o que deveria ser compreendido.
Mas aquilo que sentimos, bem... isto é sempre incompleto – e aqui reside a possibilidade de fotografar.
Quando fotografo uma planta, não sou quem está a conduzir. Ela, em seu silêncio, me descreve por meio dessa foto, relação na qual sou apenas o responsável pelo ato terminal.
O ato de criar imagens é, em verdade, o ato de isolar tudo o que é imprescindível e reordená-lo supondo uma certa origem, esquecendo-se um pouco da velha verdade de que tudo é fluxo.
[...]
Quando um cineasta me pede para que eu fotografe seu filme, eu só tenho uma coisa a dizer: meu trabalho será apenas fotografar almas. O resto é desvio.
Para ser fotógrafo deve-se acreditar na suposição de estar no controle daquilo que por natureza vive em descontrole. Uma imagem, nesse caso, será sempre a visão reduzida, parcial, incompleta mas verdadeira desse mundo.
Criar imagens é um ato profundamente moral.
O natural seria esquecer: a fotografia permanece – a natureza eternamente flui.
O pensamento é algo completamente distinto ao ato de criar imagens. Enquanto o pensamento reduz, a imagem amplia. Enquanto a lógica subtrai, a imagem multiplica. Seria algo similar à relação entre o um e o múltiplo, a presença e a ausência. O pensamento se nutre do desvio, enquanto a imagem luta para fugir da aproximação.
[...]
O que realmente deve se buscar é o vazio, a ausência: o resto é ruído.
O mais importante na obra de um fotógrafo não são as suas fotos, suas declarações, apontamentos, biografia. A chave está em suas ausências, imperfeições, incongruências, desvios. Um fotógrafo registra aquilo que ele não pode esquecer. Aquilo que ele não pode esquecer está diretamente ligado àquilo que ele deve ser. Aquilo que ele deve ser nunca poderá ser compreendido: permanece como um silêncio latente em sua mente, ritmado apenas em momentos de luz, como em uma fotografia. Cada imagem criada se torna um pedaço a menos de si mesmo, uma carne rasgada, um sangue que se esvai. A imagem, se não for essencial, não corta – apenas afaga.
O caminho para a sombra é repleto de luzes que desviam: olhar, nesse caso, é estar de olhos fechados.
[RODRIGO GROTA, sobre Haruo Ohara, retirado daqui].
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